PERSÉFONE: MÉDIUM, MÍSTICA E SOBERANA DOS MORTOS



PERSÉFONE
A mulher Perséfone parece não  querer atrair nossa atenção: é tímida, discreta e modesta, apesar de ter algo de juvenil na sua pessoa. Exibem uma espécie de vulnerabilidade espiritual, parecendo não se sentir à vontade com seu corpo e tampouco com sua sexualidade. No entanto, parece sentir um  anseio por uma intimidade profunda, embora não se possa dizer se é uma intimidade do corpo ou do espírito. Enfim,  ela está envolta em uma aura de mistério: trata-se da dissolução do "eu" e do "outro", num quase místico estado de fusão.

 

A mulher Perséfone constata que não precisa viver dentro dos limites conhecidos, daquelas regiões que nós descrevemos com prefixos gregos e latinos como para-, meta ou super,todos eles significando além "de ou trancendendo a". O seu mundo é o paranormal, uma ciência que estuda regiões-limites, ou seja, além da psicologia normal ou convencional. O seu mundo é sobreAlém ou sobrenatural, um mundo além dos sentidos físicos. Ela será atraída pelos estudos da metafísica mais do que Ciências Naturais ou Convencionais.

É precisamente por isso que ela se sente alienada e insegura de si mesma. A autoridade do materialismo científico de Nossas Universidades, instituições de pesquisa e Meios de Comunicações de Massa são tão fortes que transformam em lunáticos qualquer um que queira estudar disciplinas como parapsicologia e metafísica.
 
É exatamente porque Perséfone habita as fronteiras do cientificamente conhecido que ela se sente alienada e insegura de si mesma.
 
 
 PERSÉFONE, A DEUSA MEDIÚNICA 
Para os gregos, Perséfone era a rainha distante do mundo Avernal,ou mundo dos espíritos, que vigiava as almas dos falecidos, as sombras.
 
  Foi raptada pelo deus  Hades, senhor dos infernos,deixando sua mãe Deméter desesperada,
 
 porém a parte do mito do qual trataremos mostra Perséfone como uma deusa madura, Rainha absoluta do Mundo Avernal (inconsciente), governando os espíritos dos mortos ao lado de seu marido, Hades, Sombrio Senhor da Morte. Mulheres-Perséfone são muito difíceis de entender: reservadas, reclusas e muitas altamente discretas. Essas mulheres sozinhas por muito tempo, fazem seus projetos secretos, suas reflexões, sua comunhão com o mundo invisível.Vivem grande parte do tempo entre os espíritos.

"Ela precisa exprimir aquilo que está no ar (inconsciente coletivo), aquilo que o ambiente não pode ou não quer admitir, mas que, não obstante, faz parte dele. Trata-se do aspecto sombrio de uma situação ou idéia predominante. Desse modo ela ativa o que é perigoso ou negativo, tornando-se assim portadora do mal, ainda que o problema não seja exclusivamente pessoal. "

"Formas estruturais da psique feminina"
Toni Wolff.


A maior dificuldade da mulher-Perséfone é que ela tem uma estrutura de ego frágil: é suscetível de ser sobrepujada quando os conteúdo vindos "do lado de lá", isto é, de sua mente inconsciente (Espíritos) a avassalam.

"Como os conteúdo em questão são
inconscientes, ela carece da faculdade necessária de discriminação para poder percebê-los. A força avassaladora do inconsciente coletivo perpassa pelo ego da mulher mediúnica, e o enfraquece."

A MORTE E A DONZELA
 
O que é o Mundo Avernal? Na linguagem da psicologia moderna, seria chamado insconciente. De modo que Perséfone é aquela que foi sorvida não apenas pelo inconsciente, pelo desconhecido, por tudo que é reprimido e sombrio (Freud), mais ainda mais profundamente pelo inconsciente coletivo, o mundo das potestades e poderes arquetípicos (Jung).
 
Uma mulher jovem pode vivenciar isso de diversas maneiras. Alguma trajédia da infância pode fazê-la mergulhar num estado de depressão, de retraimento meditativo, atendo-se interiormente à pensamentos sombrios. Na realidade, depressão e retraimento, acompanhados ou não de idéias suicidas, podem seguir-se à uma grande perda, separação ou trauma violento em qualquer idade.
 
Em tudo isso há uma espécie de morte psíquica, ainda que não física. A perda é afinal isso: o sentir-se arrancada de si, uma imagem da energia de alguma pessoa, ou lugar, de um modo de vida amado, substituída por um enorme, ermo, vazio emocional.
 
 
A descida torna-se patológica se uma grande parte de nós permanecermos no Mundo Avernal: quando isso ocorre estamos no limiar de uma depressão crônica. Tragédia desmesurada associada a uma excessiva sensibilidade e ego frágil pode parecer à mulher-Perséfone que uma força no mundo dela permanece permanentemente no Mundo Avernal (ou inconsciente.
 
Esta jovem mulher será uma relutante iniciada nos dominios sombrios da psique. Tudo acontece depressa demais, e sentindo-se totalmente impotente, descobre que ela precisa viver em dois mundos radicalmente diferentes: o mundo da vida e das luzes, e o mundo da morte e das sombras. E assim, tendo de ser leal aos vivos e aos mortos, ela é capaz de ver o que deve ser revelado e o que deve permanecer oculto.

Viver boa parte da vida entre os mortos pode exercer enorme pressão psíquica sobre qualquer mulher (ou homem) de temperamento mediúnico, especialmente quando sua experiências são mal interpretadas e temidas como costuma acontecer.
 
Mais que qualquer outra deusa, uma mulher- Perséfone pode sofrer uma profunda alienação, que às vezes a leva à beira de um colapso, se a sua verdadeira natureza e a sua verdadeira vocação não forem reconhecidas.

Pois o fato é que o mundo avernal é essencialmente o mundo dos espíritos. O que significa que carece de ardor, afeição, ou de qualquer substância que a maioria chamaria de realidade.
 
A maneira da mulher- Perséfone conseguir lidar com esse domínio da existência - com ameaças de dissociação psíquica, loucura e desespero - é, portanto, um desafio sem igual para o nosso entendimento psicológico.


A DUPLA VIDA DE PERSÉFONE: VIVENDO O ABSURDO
A maioria das mulheres-Perséfone crescem com poucas ou nenhuma perspectiva interiores. Considera suas experiências mais uma maldição que um dom. Estar psiquicamente ligada à realidades temidas ou negadas pela maioria das pessoas pode facilmente lançá-la num inferno vivo.
 
Na realidade, o que acontece com a jovem Perséfone é que ela está captando psiquicamente segredos guardados a sete chaves, no mundo ou na família; esses pensamentos proibidos criam para ela um inferno de pesadelos, que ela tem dificuldade de articular, ao mesmo tempo que não tem como desligar seu "radar" inconsciente.

Para muitas modernas Perséfones, isso significa que ela tem de viver e agir em dois mundos igualmente inóspitos: o frio do mundo imprevisível do inconsciente incompassivo e o mundo real e alienante. Assim, a estrutura de personalidade dúplice é a sua máscara também: uma exterior inocente e bem adaptada, uma outra vida rica e intensa, da qual poucos chegam a saber, cujo significado será um tormento profundo para ela, enquanto não se decidir a enfrentá-la.

Algumas jovens Perséfones aprendem a manejar seus mundos interiores e acabam gravitando nas carreiras de conselheiras terapeutas ou talvez até comecem um tratamento de Cura Espiritual. Aquelas mais confiante em seus dons poderão se estabelecer com bastante sucesso como astrólogas ou leitoras do tarô, ou mesmo como professoras de metafísica. Tais ocupações concedem aos dons da jovem Perséfone uma forma, uma estrutura socialmente sancionadas, fazendo-a sentir-se apoiada e segura.
 
Mas há o perigo dela deixar as suas mais profundas chagas fundamentalmente intactas. Ela ainda não pôs um fim a toda dor e mágoa, que é um trauma só seu, reconhecendo suas fantasias de morte. Por maior que seja seu sucesso, não é bastante para compensar o fato da vitima agonizante dentro de si continuar clamando.

Na verdade, conforme o mito Grego, Perséfone é a filha que perdeu a mãe e cuja vida real é vivida em outra parte. Esse fato teve implicações abissais, conquanto as consequencias dessa separação não foram plenamente aceitas, e a deusa permanerá congelada no tempo, sofrendo constantemente o terrível momento da separação da mãe: suas próprias profundezas não foram sondadas e nem suas próprias trevas redimidas.

PERSÉFONE: AS SEDUÇÕES DO ESPÍRITO


Como vive dividida entre a luz e a escuridão, a jovem Perséfone anseia para que o seu espírito venha libertá-la e auxiliá-la em sua confusão interior. Assim, muitas vezes, buscará conforto numa autoridade superior, mestres que ascenderam, astrologia, gurus ou carma, etc. Isso leva ela mesma a tornar-se uma curandeira - capaz de curas espirituais - ou um canal - medium.
 
Mas pode acontecer dela esquivar-se do pavor das trevas profundas falando exclusivamente sobre a luminosidade e dedicação de seus guias, sobre a alma evoluindo ininterruptamente para frente e para cima .

Porém, o verdadeiro salvador não é Zeus, mas paradoxalmente seu irmão sombrio, Hades. A sabedoria desse mito extraordinário é que  a  transformação de Perséfone vem de baixo, das profundezas abissais da alma, dos elevados confins do espírito. O Espírito, em Sua forma olimpiana, não é capaz de iniciar Perséfone.

 
PERSÉFONE: A MÃE MAIS DO QUE AMOROSA
Outra saída para Perséfone é tornar-se exatamente aquilo que ela perdeu:uma mãe amorosa,como Deméter. Daí ela transformará seu talento bastante real para ser uma terapeuta, uma curandeira ou assistente social no papel de salvadora profissional.
 
Um aspecto doloroso dessa saída é que os clientes da Perséfone terapeuta muitas vezes invadirão a sua vida pessoal, provocando o caos com sua insaciável carência de amor e atenção.

Para ser uma curandeira ou terapeuta eficaz, Perséfone precisa antes de tudo curar-se, antes de pretender curar algém. Mas isso não é fácil. Ironicamente, sua capacidade de empatia e de entendimento psíquico é o maior obstáculo a esse processo.
 
A menos que encontre ajuda externa ou se submeta a um treinamento para desenvolver um pouco da objetividade de Atena e poder enxergar o quanto é de fato dominada pela mãe ausente, tudo que fizer atrairá para si reflexos de sua própria vitimização não resolvida: Seu ego carece de fronteiras.


PERSÉFONE: À BEIRA DO ABISMO
A mulher-Perséfone revela com extrema clareza a raiva que sente contra um destino que considera injusto. Depressão, angústia e finalmente o suicídio esperam no fim da jornada. Perséfone identificou-se profunda e irrevogavelmente com a agonia da vitima. Ela não soube ou não conseguiu distanciar-se e acabou tornando-se cônjuje da morte.
 
Muitas mulheres sentem-se atraídas por Perséfone, por esse papel, são as "semi-apaixonadas por uma morte que traga alívio" (Keats). Elas flertam com uma morte em diversos períodos de suas vidas. Cresceram com o papel de vítimas ou então cuidaram de um pai ou mãe vitimizados. É difícil fugir desse esquema.
 
Quando se identicam como mulheres-Perséfone com exclusão das outras deusas acabam atraindo para si os sofrimentos dos outros.


A CHAGA DE PERSÉFONE: A VÍTIMA SACRIFICIAL
Jung demonstrou que há duas formas de orgulho e presunção espiritual. Há a presunção do Herói, do guru, do Salvador do Mundo: essa nós já ouvimos e desconfiamos de sua retórica arrogante. Porém, menos fácil de perceber, é o orgulho do sofredor, de mártir, da vítima. Assim como o herói exige (e obtém) o louvor e o apoio dos desprevenidos, também a vítima suscita pena e condolência pelo seu sofrimento. Mas qual das duas seria mais manipuladora e mais interesseira? Trata-se da tirania dos fracos.

Somente um encontro genuíno com Hades, provocando uma morte de todo o ego, de toda ligação com a inocência, pode por um fim ao orgulho deslocado da vítima de uma vez por todas. A intervenção de Hades vira o Mundo de cabeça para baixo.
 
E o que deve morrer na donzela Perséfone? Precisamente a sua inocência de donzela, uma pessoa meiga, composta de augustos ideais espirituais, doçura e da luminosidade da Nova Era. Luzes demais acabam lançando apenas uma sombra muito escura.
 
O que é, então, a sombra da donzela Perséfone? É uma raiva enorme e uma desmesurada ânsia pelo poder absoluto. Não é à toa que um hino órfico a chama de " Mãe das Fúrias".

Para reconhecer o lado tenebroso de Perséfone basta olhar à sua volta e procurar todas aquelas mulheres que lhe parecem malévolas ou arbitrárias em seu poder. Geralmente a mãe carnal é a sua primeira candidata, mas basta olhar ao redor que reconhecerá outras, no trabalho, na escola, etc. Perséfone as vezes se sentirá sendo invadida por diversos "Inimigos" no plano psíquico.

Contudo, a verdadeira questão de Perséfone é poder, um poder que ela recusa admitir. Ela não cessa de conferir poder aos outros, projetando-os em mulheres bem sucedidas ou supostamente mágicas, homens poderosos ou brutamontes alcóolatras.


A NOITE ESCURA DA ALMA
O que Perséfone não compreendeu é que a vítima dentro dela precisa ser sacrificada e contrair núpcias com os poderes escuros. A palavra sacrifício significa o "tornar sacro". Toda dor, raiva e mágoa precisam ser oferecidas às forças que estão além de si. Como em toda iniciação, é preciso haver uma morte do mundo profano da vida cotidiana, mas isso não é motivo de orgulho espiritual nem motivo para sentir-se miserável.
 
Como é que Perséfone, enquanto terapeuta ou curandeira pode confortar os desesperados e moribundos se nunca esteve lá?
 
Na verdadeira vida do espírito existem luz e trevas, júbilo e desespero, assim o inconsciente com seus aspectos superior e inferior. O desafio maior de Perséfone é unir o lado escuro e o lado luminoso da Deusa em si mesma.
 
Toda mulher deve reconhecer, e Perséfone terá que aprender a conviver com a bruxa e assassina que existem dentro dela. Quando projeta o seu lado de feiticeira nos outros, deixa de completar o movimento descendente até Hades, seu noivo verdadeiro: ela corre o risco de ficar doente ou de atrair colegas destrutivos e até mesmo perversos.

No âmago do grande mito de Hades(que é a Morte), o fato de dizer que a donzela casa com ele, é a mesma coisa que dizer que a donzela morre. Uma morte figurada e iniciática, exigida pela psique em sua crescente sabedoria. A morte e a perda são os fundamentos da transformação que toda uma mística iniciada como Perséfone deve percorrer.
 
A jornada de Elizabeth Kübler-Ross com pacientes terminais é da natureza de Perséfone: como pode ajudar as pessoas a atravessarem para "o lado de lá" se estão distraídas com o zumbido da vida?

ELIZABETH KUBLER-ROSS
É uma vocação de proporções místicas, e, como na clássica jornada do misticismo cristão, uma mulher ou homem que é chamado para seguir este caminho aprende a passar por uma "Noite escura da alma".

PARALELO SUMARIANO: A DESCIDA DE INANNA


INANNA E ERESHKIGAL
Um sinal do grande processo de descida mística ao Mundo Avernal, é a descida da Deusa Inanna da Suméria. Muitos acreditam ter dado origem ao mito de Perséfone, a Resplandecente Inanna, Rainha dos Céus, Uma Deusa Lunar, que desce por sua própria vontade para o "Grande Abaixo", governado por sua irmã Ereshkigal.
 
Sua descida se faz através dos sete portais (sete é freqüentemente o número de estágios de uma iniciação), sendo destituída peça por peça em suas vestes e atavios. Diante do último portal ela é julgada pelos sete juízes e morta por Ereshkigal. Seu corpo é colocado em uma estaca, uma espécie de crucificação, onde é deixado para apodrecer.
 
Até que é salva por Enki,deus das águas e da  sabedoria,que se compadece dos gemidos de Inanna e arranja uma substituta para ela.
 
A vida de Inanna é restaurada e ela reascende pelos sete portais,sendo suas vestes devovidas em cada uma delas.
 
Inanna empreende uma descida por vontade própria. Mas,à época dos gregos,a deusa já perdera todo o seu poder.Isso explica porque Perséfone é bem mais passiva e porque é iniciada por Hades.
 
Porém o declínio do poder da deusa torna mais necessário que todas as mulheres - na Grécia Antiga e nos dias de hoje - empreendam uma descida ao interior de si mesmas a fim de reconquistarem o seu mais profundo poder.
 
 
PERSÉFONE IDOSA: A SÁBIA ANCIÃ

perséfone madura que retornou de sua jornada vive de algum modo além do mundo comum, ainda que permaneça em contato com ele. Ela "já viu tudo", e portanto  tornou-se uma feiticeira, bem humorada, alegre, achando divertida a loucura humana.

A palavra wicca (bruxa) refere-se àquela que pratica a arte da sapiência. Quando a  Igreja perseguiu as bruxas, suprimiu também  uma das deusas da  Sabedoria Antiga. O que se perdeu foi o segredo da Perséfone madura, a sabedoria daquela que conhece os  segredos da vida e da morte: daquela que compreende o hiato entre os dois  mundos e que reverencia os ancestrais. Essa magia da  sabedoria ela partilhava com sua guardiã, Hécate, deusa da magia e da feitiçaria.
 
ADVERTÊNCIA
JENNY JOSEPH
Quando eu for velha vou me vestir de roxo
Com um chapéu vermelho que não combina e não me deixa bem
Quero gastar minha aposentadoria em conhaque, luvas de seda
E sandálias de cetim, e dizer que não temos o dinheiro da manteiga.
Sentar-me no chão quando estiver cansada
Devorar amostras nas lojas e apertar botões de alarme
E arrastar minha bengala pelos gradis das ruas
Para compensar a sobriedade da minha juventude.
Sairei de chinelos na chuva
Colherei flores em Jardim alheio
E aprenderei a escarrar.
 
Poder usar blusas medonhas e deixar-me engordar
E comer dois quilos de linguiça de uma só vez
Ou apenas pão e picles por uma semana
E estocar canetas e lápis e bolachas de chope e coisas em  caixas.
Mas por hora devemos ter roupas que nos deixam secas
Pagar nosso aluguel e não xingar pelas ruas
Dando bom exemplo para as crianças.
Temos de convidar amigos para o jantar e ler os jornais.
Mas e se eu pudesse ir praticando um pouco agorinha mesmo?
Para que quem me conhece não ficar chocado  ou surpreso
Quando eu de repente for velha e passar a usar roxo.
 
 
HILLMAN FALA SOBRE A EXPERIÊNCIA DE PERSÉFONE
Em seu livro "The Dream and the Worl , o psicológo de arquétipos James Hillman escreve de maneira provocante sobre a equivalência entre o mundo avernal dos gregos e o inconsciente conforme descrito pela psicanálise moderna. Tânatos, o instinto de morte para Freud, por exemplo, seria para Hillman uma outra versão de Hades. Eis como ele concebe a Perséfone avernal:

"A experiência de Perséfone repete-se em cada um de nós em súbitas depressões, quando nos sentimos cheios de ódio, apáticos, entorpecidos e afastados da vida por uma força que não podemos ver e diante da qual fugíriamos, buscando distraidamente explicações e consolos naturalistas para o que de tão tenebroso está acontecendo. Sentimo-nos invadidos por baixo e atacados , e pensamos na morte".
Ser sequestrado para o mundo avernal não é o único modo de vivenciar isso. Há muitos outros modos de descida. Mas se as coisas se passarem de tal maneira radical, saberemos qual mitema nos acometeu. Só seremos arrastados para a carruagem de Hades se estivermos nos campos verdejantes de Deméter, sedutoramente inocente entre as flores junto com os parceiros de brincadeira. Este mundo precisa se abrir. Quando se abre a sua tampa, sentimos apenas o negro abismo do desespero , mas esta não é a única maneira de vivenciar nem mesmo este mitema.
 
Por exemplo, Hécate estaria supostamente por perto, observando e ouvindo tudo. É evidente que existe uma perspectiva capaz de testemunhar as lutas da alma sem a agitação de Perséfone ou o cataclismo de Deméter.

 Em nós há um anjo sombrio (Hécate também era chamada de angelos), uma consciência (ela também era conhecida como phosphoros) que brilha no escuro e que testemunha tais eventos porque já está ciente deles a priori. Esta parte tem estabelecida uma ligação apriorística com o mundo avernal através de cães que farejam, devassidão, luas negras, fantasmas, lixo e venenos.

Há uma parte nossa que não é arrastada para lá, mas que lá sempre habitou, assim como Hécate é em parte uma deusa do mundo avernal. Desse ponto de vista, poderemos observar nossas próprias catástrofes com uma sabedoria sombria que tem expectativa de pouca coisa mais".