"Amor, só de mãe", essa frase folclórica escrita em para-choques de caminhão, na verdade revela mais sentimento do caminhoneiro do que a relação psicológica existente entre mães e filhos. É que, por mais intrigante que pareça, o amor de mãe pouco difere do amor de pai, irmão, padrasto e madrasta, marido e mulher, por mais que as supermães protestem e afirmem que o amor a seus filhos está acima de suas próprias vidas!
Isso se deve a razões pouco conhecidas: o amor materno é um mito e entre os seres humanos não há amor incondicional. "Entre nós todo amor é construído". Essa tese não é nova entre os estudiosos do comportamento humano.
Antropólogos e sociólogos que estudam a maternidade nos tempos antigos verificaram que em determinadas épocas era comum abandonar-se as crianças. Os bebês eram colocados em instituições ou dados para serem criados e poucos sobreviviam. E não era coisa só de famílias carentes, as ricas também faziam isso. Tal atitude mostra que cuidar dos filhos não é instinto.
Por volta dos séc. XV e XVI era pensamento generalizado que os filhos não precisavam ser cuidados pela família. A criança não tinha, na Idade Média, a condição de ser humano, com direito a bons tratos. Só por volta do séc. XVIII houve uma mudança no discurso dos filósofos, e finalmente no séc. XIX surgiu, por parte dos médicos, a idéia da importância do amor materno.
O assim chamado "instinto materno" é um mito entre seres humanos, tanto que, ainda hoje há um número expressivo de crianças abandonadas, maltratadas, espancadas e até mortas por suas famílias mostrando que o vínculo biológico não garante amor e proteção.
Por outro lado, observam-se famílias com filhos adotivos e homens e mulheres que partiram para novo casamento e acolhem as crianças de seus companheiros com um amor profundo. O que existe no amor materno é um sentimento adquirido pela contato e a disposição da pessoa em amar a criança.
Vamos colocar como exemplo o caso de uma casal: o homem e a mulher se amam porque o amor deles foi construído. Mas pode ser demolido. Um fato novo pode acabar com ele, os divórcios que o digam. Tudo que pode ser construído pode ser descontruído, e novamente reerguido.
O instinto materno seria verdadeiro se a mulher tivesse em seu equipamento biológico algo que a levasse a amar automaticamente seu filho. E ela não tem. Algumas mulheres pensam ter porque começaram a amar seu filho na gestação, e se encantam só de pensar em tê-lo. Mas isso só prova que o amor começa a ser construído no psiquismo. O mesmo acontece na adoção. Um homem e uma mulher decidem adotar uma criança e então passam a construir o amor por essa criança, antes de conhecê-la.
As pessoas ficam chocadas com a tese da ausência do instinto maternal porque, culturalmente, a partir do séc. XVIII e XIX passou-se a enaltecer a posição da mãe como aquela que protege seu filho, cuida dele por um tempo infindo, na verdade, por toda a sua vida.
A imagem cultural da maternidade vem cercada de clichês como: "Ser mãe é padecer no paraíso", "Mãe ama incondicionalmente o filho". Mas isso não é a regra. Nem toda mãe consegue amar seu filho logo que ele nasce. A cobrança da sociedade e da família em relação à mulher, para esta amar seu filho já a partir do primeiro momento em que o vê, é muito forte.
Nem todas as mulheres nasceram para ser mães, algumas não são capazes de construir um amor materno ou não têem vocação para a maternidade, outras podem preferir optar por uma profissão.
Por outro lado há pais que cuidam de seu filho de uma maneira mais satisfatória do que muitas mães. Esse modo paterno de cuidar, de nutrir e acompanhar é muito importante. No plano do amor construído a seus filhos, pais e mães devem ficar no mesmo patamar.
O amor não é dado, não está garantido de antemão, não é fruto de geração espontânea, mas, ao contrário, demanda empenho, cuidado e investimento dos que integram uma relação amorosa qualquer que ela seja, entre pais e filhos, amantes ou entre amigos.
As noções que temos de como os papéis e funções sociais devem ser exercidas é fruto de um imaginário social dado por idéias, imagens e estereótipos compartilhados com certa homogeneidade pelas pessoas da época histórica de que se trata.
Alterar a visão do mundo e dos valores sobre os quais se assentam essas experiências, demandam um tremendo esforço e provocam um desconforto não só naqueles que ousam mudar, mas também nos que os cercam.
Esse legado inconsciente e o mito do amor materno são em grande parte responsáveis por um lado, pelas mães que deixam a "guarda" para o pai, ou perdem a guarda sentirem-se, ou serem vistas como mães incompetentes, abandonantes e más, e, por outro lado, os pais que reclamam a guarda, ou a "tiram" das mães, sentirem-se ou serem vistos como indivíduos cruéis e desumanas.
Ora, os atributos de afeto antes referidos não são prerrogativas do amor materno. Não estão adstritos a ele. O amor paterno também é semeado, alimentado e aprendido no trato diário com os filhos. Nas oscilações da convivência, em meio à ambivalência, é construído e sustentado. Nada difere em possibilidade, da magnitude do amor materno. Ambos os "amores" são conquistados, legítimos e de igual qualidade.
O que a criança precisa é de quem a olhe e veja como alguém de importância emocional, para nessa mirada poder reconhecer-se como alguém merecedor de amor e amável. É necessário que nossa cultura abasteça o homem de modelos de paternidade, como têm feito com a mulher.
Uma pergunta que não quer calar: "por que quando a mãe deixa o filho com o pai é abandono e quando o pai deixa o filho com a mãe é normal"?