AFRODITE

AFRODITE: A DEUSA ÁUREA DO AMOR

Nenhuma deusa foi tão amada como a própria  deusa do amor, Vênus-Afrodite. E nenhuma outra deusa foi tão bem representada nas artes.  Os gregos e os romanos adorava-na pela sua gloriosa beleza, pela sua ternura e pelas suas muitas aventuras amorosas.

Só que os gregos não tinham meio de comunicação de massa  atiçando um anseio natural (sexo) quase à histeria. Eles  ainda preservavam um forte sentido  da sexualidade como um dom sagrado, não um bem a ser explorado, e é por isso que reverenciavam Afrodite.

Gostemos ou não, nossa cultura perdeu completamente a perspeciva de Afrodite e do dom divino que ela nos conferiu: Eros, o amor. Afrodite era, e ainda é,  uma presença sensual.
 
 Na cultura grega, ela brilhava através da arte, da escultura, poesia e música. Nada lhe dá mais deleite do que a gratificação dos sentidos  através do belo. Com seu sentido estético inato, poderá tornar-se modelo de moda, atriz, hostess ou decoradora de interiores.
 
Por mais importante que a sexualidade seja para a mulher-Afrodite, é a ligação pessoal com o companheiro, a troca de prazer entre ambos, que torna o sexo algo tão extático para ela. Afrodite quer que os relacionamentos  sejam amorosos; não importa se amigáveis, sociais,  físicos ou espirituais: ela quer que tenham coração. 
 
 Mas com sua eroticidade despreocupada ela pode se revelar bastante oportunista. Ela não quer criar raízes: pelo contrário, tende a ver a vida como uma aventura,e uma aventura com um possível final romântico. Ela  busca um homem sensual, ativo e desempedido;  de  preferência sofisticado, bem instruído e armado  com um cartão de  crédito. 
 
É preciso lembrar que a mulher-Afrodite é essencialmente civilizada e sensual. Afrodite quer ter certeza de um coquetel  e roupas de cama limpas para as suas aventuras. É mais  fácil encontrar-la à beira de uma piscina elegante do que num lago ermo nas montanhas.
 
 Ser abençoada por Afrodite significa que a mulher  se sentirá  plenamente à vontade com seu corpo e que terá uma relação saudável e descomplicada com a sua sexualidade.
 
Sua beleza excepcional pode ser uma passaporte instantâneo para outros mundos fascinantes; mas com isso sobrevém-lhe uma palpável alienação.Talvez venha  a conhecer certa solidão interior, uma sensação de estar fora do seu meio, e colocará toda a  sua energia em sua "persona" exterior, em sua lindíssima máscara, para compensar. 
 
 Uma vez que tantos homens a desejam por sua aparência, como uma conquista ou símbolo de status, ela muitas vezes chegará a duvidar do  próprio valor.
Há um tal instinto de exibicionimo sexual  na constituição de Afrodite que ela provavelmente se sairá muito melhor numa carreira de modelo ou atriz. Entretanto, logo poderá descobrir que é  perfeitamente supérflua nesse mercado competitivo, e precisará de todo seu charme e mais de toda a sagacidade pragmática de Atena   se pretende sobreviver nessa fase dependendo apenas de sua  aparência.


O NASCIMENTO DE AFRODITE
O mito  do nascimento de Afrodite  nos diz que Cronos  voltou-se contra seu pai, Ouranos, castrando-o com uma foice  de pedra que Gaia, a Terra Mãe,  fizera para castigar seu companheiro. Cronos lançou o membro decepado  por sobre os ombros e ele caiu  em mar tormentoso, onde foi carregado pelas  ondas. Da espuma que se formou em torno do pênis decepado foi crescendo uma menina. Seu nome era Afrodite, que significa "nascida da espuma".


 Afrodite foi recebida por todos os outros deuses e deusas do Olimpo e lá rege todos os atos da procriação e todos os aspectos  das artes do amor e da beleza.


LIBERDADE PATRIARCAL VERSUS CONTROLE PATRIARCAL
Quando as sociedades de outrora não sabiam ou não tinham certeza de quem era o pai de uma criança, ficava naturalmente mais fácil se a descendência fosse passada de mãe para filho. Essa foi a solução matrilinear para o problema da paternidade.
 
Nesse esquema, geralmente era o irmão da mãe ( tio da criança) que tornava-se a figura de autoridade e fonte de riqueza e poder. Com tal arranjo, as mulheres podiam sexualmente ser tão livres quanto os homens e qualquer filho concebido lhe pertenceria por descendência matrilinear. Mais importante , porém, era que toda propriedade era transmitida de mãe para filhos.
 
Nas sociedades patriarcais, como bem sabemos, a propriedade e a descendência linear passam de pai para filho: esta é a herança patrilinear. A paternidade legítima é absolutamente essencial nesse esquema, pois dela depende não só a herança de propriedades e  títulos como também a continuidade espiritual  que permite aos pais imortalizarem-se nos filhos.

 Em tal situação, a fidelidade da esposa é de suma importância como garantia da perpetuação do poder espiritual e material do homem. Portanto é desnecessário dizer que a liberdade sexual de Afrodite não pode ser tolerada numa esposa, pois ameaça  a  própria estrutura da sociedade patriarcal.
 
A maneira de ser de Afrodite, pela sua própria  natureza,  não pode senão ocupar um lugar ambíguo  e impotente no limiar do mundo patriarcal, onde  o máximo que lhe é permitido é ser uma fonte de prazer cheio de culpa para os patriarcas.
 
Assim, os  patriarcas são, coletiva e individualmente, culpados, pois o sistema que herdaram tem desapossado e subjugado as  mulheres há vários milênios. A consequencia dessa alienação de Afrodite  está na desvalorização de seu maior dom para nós: o relacionamento.
 
Bertrand Russel disse: " O amor como relacionamento entre um homem e uma mulher foi destruído pelo desejo  de assegurar a legitimidade dos filhos.  E não só o amor, toda a contribuição  que as mulheres podem prestar à civilização pelo mesmo motivo".
 
Russel sustenta que as mulheres foram mantidas deliberadamente  ignorantes e sem cultura  pelos  maridos por medo de serem traídos.

AVERSÃO AO EROS  E MEDO DO EROS NO CRISTIANISMO
O outro fator que está por trás do medo patriarcal de Afrodite é o horror ao corpo  inculcado pelo cristianismo. Os gregos e os romanos,  a despeito de toda preferencia homossexual, tinham um salutar amor pagão pelos corpos masculinos e femininos, como mostram  as suas estátuas. 

Por outro lado, não há qualquer indício de que Jesus Cristo desprezasse as mulheres ou abominasse o sexo. Pelo contrário, ele se condoía da condição inferior das mulheres e tinha muitas seguidoras íntimas.
 
O primeiro culpado, por consenso comum, foi São Paulo cuja obsessão era impedir a fornicação: a seu ver,essa era a principal valor do casamento. Paulo e o também misógino Santo Agostinho  lograram estampar o cristianismo e o Ocidente com uma aversão ao sexo e ao corpo  da qual nós nunca conseguimos nos recuperar plenamente. 
 
Consequentemente, a supressão e perda de Afrodite durante a baixa Idade Média significou um abrutalhamento da qualidade de vida em geral. Para as mulheres, a Idade das Trevas foi especialmente lúgubre.
 
Felizmente, as antigas tribos nórdicas, com suas raízes matriarcais celtas, mantiveram  vivo o espírito  de Afrodite. No século XII, houve um extraordinário renascimento da deusa, em parte por influência dos celtas e em parte por influência do contato dos cruzados com o Oriente, onde florescia uma poesia cavalheiresca  e mística de amor pelas mulheres.
 
Nasceu uma forma inteiramente  nova da religião de Afrodite: o romance e o espírito do amor cortesão, com os trovadores. Durante  esse breve mas luminoso interlúdio, as mulheres alcançaram uma dignidade e uma posição social desconhecida antes e depois na civilização ocidental. De uma forma impensável no cristianismo patriarcal, as mulheres e todos valores do feminino foram tidos como superiores ao homem.
Isso não durou, nem poderia durar. A Cruzada Albigense  foi deflagada contra os hereges  cátaros. Como  que a chamada heresia dos Cátaros foi associada à adoração sensual da mulher idealizada, mas de carne e osso, dos trovadores é algo que nós provavelmente  nunca saberemos.


Dessa época em  diante os trovadores, sob risco de morte,  só ousaram  cantar uma mulher:  a Virgem, a rainha celestial,  uma mulher não terrena.

AFRODITE CAÍDA



Duas foram as consequencias psicológicas de se negar à Afrodite um verdadeiro lugar na cultura no final da Idade Média: a disseminação da neurose  sexual e o aparecimento da paranóia com bruxas. Segundo Gordon Taylor, em "Sex in Society:

"Não é exagero afirmar que a Europa Medieval  passou a a assemelhar-se a um vasto e gigantesco hospício".
 
Carl Jung descreveu como a perda  dos serviços amorosos dos trovadores - os verdadeiros sacerdotes de Afrodite - levou diretamente a caça às bruxas. Em suma, tendo sido substituída pelo culto  à Virgem Maria, Afrodite foi forçada  a ocultar-se, com a sua imagem difamada sendo mantida  obsessivamente na mente dos inquisidores, que, depois de massacrarem os herejes, saíram  à cata das seguidoras secretas da deusa, tidas supostamente como bruxas.

Mas o espírito do romance não morreu, nem as cortes de amor desapareceram, e a Igreja foi ficando cada vez mais obcecada com o que tentava obliterar.  A despeito de cada nova onda de puritanismo, gerações de poetas e artistas revivificavam periodicamente os grandes temas românticos do eterno feminino e da redenção pelo amor.

Esses homens conseguiram tornar consciente a sombria fusão de Afrodite e de Pérsefone que tanto obcecara a Idade Média, e que agora passa a estar contida pela arte em vez de ser projetada.

A CHAGA  DE AFRODITE
Esse desvio histórico meio deprimente ajuda-nos a entender por que Afrodite desempenha tantas vezes o papel de intrusa,"da outra", da pária,da mulher fatal. Para a maior parte da nossa cultura, essa é uma forma um tanto perigosa de relacionamento: o modo da paixão.
 
Seu desdém pelos padrões patriarcais, particularmente pela monogamia, perturba nossos valores prfundamente arraigados de moralidade. O fato é que Afrodite fala a uma parte de todos nós que é basicamente "intolerante à monogamia patriarcal".  
 
Mas a verdade  é que em qualquer luta  pelo poder entre Afrodite  e Hera, Afrodite geralmente sai perdendo. 
 
Concluindo,   o poder patriarcal forçou-a  à submissão ou ao silêncio em cada uma das  fases da sociedade  ocidental desde os gregos. Talvez nenhuma deusa tenha sofrido tanto ou sido tão abusada quanto Afrodite.

 Deméter, como mãe, sempre foi indispensável. Ártemis  e Pérsefone, profundamente incompreendidas e alienadas, desapareceram quase que para além  do limiar da consciência - uma física, a outra psiquicamente - num retiro onde pelo menos há segurança e a criação de estilos de vida alternativos.
 
Mas não Afrodite. O patriarcado não pode viver sem ela, mas também não pode viver com ela. Desde a época que os homens tomaram das mulheres  pela primeira vez o controle patrilinear, ele tem desconfiado do liberal espírito poligâmico de Afrodite.
 
 De modo que fizeram o máximo  possível para confiná-la e  restringí-la   -  seja tomando-a como concubina, uma prostituta, cortesã ou uma amante. Mas nunca deixaram de ansiar por seus dons quase místicos de amor e de prazer, e assim, nunca conseguiram baní-la inteiramente.
 
Boa parte das chagas da mulher-Afrodite decorrem do fato de ela estar alienada das outras deusas. Numa sociedade que costuma hostilizá-la, desaprová-la ou manipulá-la, ela precisa desesperadamente das forças e das perspectivas delas.
 
Ela poderia, por exemplo, beneficiar-se com um pouco da poderosa capacidade de raciocínio e  do  pragmatismo profissional de Atena. E, se conseguisse superar sua aversão pelos valores de Hera - sossego, estabilidade,fidelidade - Afrodite poderia pedir a ela que a ajudasse a obter respeito social e um lugar mais confortável e seguro no mundo moderno. 
 
PAIXÃO E COMPAIXÃO
Gostaria de concluir  dizendo  que Afrodite  está recuperando a  dignidade e o poder de outrora. Mas, infelizmente, o que vemos é uma crescente exploração da sua imagem sagrada por parte dos meios de comunicação de massa.

Viver plena e honestamente com Afrodite e  sua chaga é tarefa difícil e muitas vezes dolorosa para a mulher moderna. Sob muitos aspectos, é mais seguro viver confiante e bem protegida em Atena,  mais seguro retirar-se e viver sozinha como Ártemis ,  mais seguro tornar-se mãe como Deméter ou esposa de um empresário como Hera, do que enfrentar as chagas dilacerantes da deusa do amor.
 
Na tentativa de suprimir a mulher-Afrodite, a Igreja proibiu que os homens cultuassem  uma mulher de carne e osso,como haviam ensinado os trovadores. Em vez  de uma mulher real e das possibilidades de um relacionamento normal, introduziram uma mulher irreal, a Virgem Maria.

Mas será que todos nós hoje, homens e mulheres,  não estamos sendo alienados  pelo mesmo ideal, só que agora pelos meios de comunicação de massa e não pela Igreja?
 
Será que não transformamos a deusa,  mais uma vez, no ideal incórporeo, exangue e totalmente inatingível  da Mulher Perfeitamente Linda?

A primeira coisa que Afrodite precisa fazer para recuperar o  respeito próprio  é ter de volta o seu corpo. Ela necessita amar e acalentar o seu   próprio corpo, tal como é, não em termos de algum ideal de beleza. E os homens precisam parar de comparar toda mulher desejável com algum retrato interior impossível que trazem dentro de si.

   AFRODITE: A DEUSA DA COMPAIXÃO
Afrodite foi muito vilipendiada, insultada, abandonada e rejeitada; seu coração despedaçou-se tantas vezes que foi forçada a desenvolver uma compreenção da vida através dos sofrimentos, da paciência e da abstenção de revidar.

 Com Afrodite, aprendemos a ser tolerantes e pacientes. Por isso, Afrodite é também a deusa da compaixão. No Oriente, ela tem uma equivalente muito próximo em Kuan Yin ou Kwannon, a deusa que personifica a maior virtude de buda - a compaixão.
 
Um ditado judaico afirma: "Deus quer o coração".Nada mais poderia ser mais verdade em Afrodite; dela poderíamos também dizer, " a deusa quer o coração". Pois o coração simboliza tudo que é autêntico e verdadeiro em nossas  menos defendidas profundezas.


E quando dois corações estão abertos um ao outro , a magia de Eros pode então fluir entre eles. Esta é o grande dom de Afrodite, a  fusão de dois corações em harmonia com a grande fusão sensual de nossos seres físicos. Quando ambos os canais estão abertos, a deusa esta verdadeiramente presente em nós.